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A autofalência como instrumento de tratamento da crise da empresa

terça-feira, 8 de junho de 2021

Atualizado às 09:01

A falência, segundo o novo art. 75, parágrafo segundo, da lei 11.101/05, incluído pela lei 14.112/20, também é mecanismo de preservação dos benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial (empregos, produtos, serviços, tributos etc) assim como a recuperação judicial. Ambas as ferramentas do tratamento da insolvência no Brasil possuem objetivos comuns, mas os métodos para o seu atingimento são diferentes. Na recuperação judicial, tem-se uma empresa em crise, porém viável. Assim, busca-se criar condições para superação da crise através da negociação entre os agentes do mercado. Na falência, por outro lado, tem-se uma empresa em crise em razão de sua total inviabilidade. Não há possibilidade de manutenção daquela atividade empresarial. Assim, a falência buscar preservar os benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial pela liquidação imediata do devedor, abrindo-se o espaço de mercado para o surgimento de uma nova atividade empresarial geradora de empregos, tributos, produtos, serviços e riquezas, bem como pela realocação útil dos ativos da falida em outras cadeias produtivas, fazendo com que tais ativos voltem a ser fonte daqueles mesmos benefícios econômicos e sociais já mencionados.

Entretanto, para que a falência seja eficiente e funcione como um instrumento de saneamento do mercado, é necessário que além de criar condições para preservação dos benefícios decorrentes da atividade empresarial (pela substituição do agente e pela realocação dos ativos) também viabilize ao empreendedor uma nova chance, um recomeço na atividade empresarial.

Isso é importante pois, do contrário, desapareceriam da sociedade os empreendedores e com isso desapareceria também a atividade empresarial. Tendo em vista que a atividade empresarial envolve risco e que é comum que um negócio não prospere, condenar aqueles que tentaram empreender ao ostracismo empresarial é conduta que prejudica brutalmente a atividade de empreendedorismo.

Nesse sentido, a reforma também se preocupou com a reabilitação do falido, oferecendo aos empresários desaventurados uma nova chance de empreender.

No sistema brasileiro, o falido é o empresário individual ou a sociedade empresária, não os seus sócios. Entretanto, dependendo do modelo societário ou da posição exercida pelo sócio, os representantes legais da sociedade falida podem suportar as limitações processuais e de atuação profissional decorrentes da falência da empresa.

Os sócios de sociedades de responsabilidade ilimitada ou que representam e administram a sociedade de responsabilidade limitada (diretores/administradores) são equiparados ao empresário individual para fins dos encargos processuais e restrição profissional, conforme se depreende do art. 81, parágrafo segundo, e do art. 102 da lei 11.101/05. Quanto à responsabilidade civil, somente os sócios de responsabilidade ilimitada podem ter seu patrimônio pessoal arrecadado (embora devam ser vendidos os bens da sociedade em primeiro lugar). São considerados falidos, a teor do art. 81 da lei 11.101/05.

Nesse sentido, os sócios diretores/administradores de uma sociedade falida (ou os sócios de uma sociedade de responsabilidade ilimitada) somente estarão autorizados a exercer novamente a atividade empresarial depois de extintas as suas responsabilidades e de devidamente reabilitados, nos termos da lei.

O tratamento que a lei 11.101/05 conferia ao empresário falido, no que tange às extinções de suas obrigações e à sua reabilitação para voltar a empreender condenava o falido a uma pena perpétua de inabilitação comercial. Conforme dispunha o sistema revogado, o falido ficava inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da falência e até a sentença que extingua suas obrigações.  Mas o art. 158 da lei 11.101/05, antes da reforma, dispunha que as obrigações do falido seriam extintas somente ao término do processo de falência, mediante o pagamento integral dos créditos ou mediante o pagamento de mais de 50% dos créditos quirografários. Caso não existisse ativo suficiente para esses pagamentos, a extinção das obrigações do falido ocorreria somente depois do decurso do prazo de 5 ou 10 anos, contados do encerramento da falência, conforme o falido tenha ou não sido condenado por crime falimentar.

Tendo em vista que o sistema revogado vinculava o início do prazo de reabilitação do falido (em casos de falências sem ativos suficientes para o pagamento dos credores) ao encerramento do processo de falência e considerando que o término da falência demorava muitos anos para ocorrer, o falido ficava, na prática, condenado a uma pena quase que perpétua de inabilitação comercial.

Esse tratamento legal tornava o pedido de autofalência, na prática, um suicídio empresarial. Nenhum empresário desejava buscar a decretação de sua falência, na medida em que ficaria vinculado a um processo de longuíssima duração sem a oportunidade de poder reempreender.

O novo sistema trazido pela lei 14.112/2020 facilitou a extinção das obrigaçoes do falido ao diminuir de 50% para 25% o limite mínimo de pagamento dos credores quirografários (art. 158, II) e, principalmente, ao dispor que decorrido o prazo de 03 anos da decretação da quebra, o falido já pode ter extintas as suas obrigações mediante a entrega do patrimônio sujeito à falência (art. 158, V).

O art. 159, por sua vez, dispõe que nessas hipóteses acima, o falido poderá requerer ao juízo de falência que suas obrigações sejam declaradas extintas por sentença.

Dessa forma, o novo sistema de insolvência empresarial brasileiro, ao permitir que o falido possa voltar às atividades de empreendedorismo em prazo razoável (03 anos depois da decretação da falência) alinha-se aos mais modernos diplomas falimentares e passa a oferecer mecanismos de incentivo ao reemprendedorismo aos empresários e sociedades empresárias.

Uma consequência ainda pouco percebida dessa nova regulação é a de que a autofalência agora surge como opção interessante para o enfrentamento da crise de uma empresa inviável.

Isso porque, pode ser mais vantajoso ao empresário buscar a extinção de suas responsabilidades e sua reabilitação através de um processo célere (03 anos) ao invés de se aventurar numa recuperação judicial sem chances de êxito e que acabará sendo convolada em falência.

Na prática, muitos processos de recuperação judicial são ajuizados como uma tentativa desesperada de se evitar a falência. Empresas inviáveis tentam postergar uma inevitável falência através do ajuizamento de recuperações judiciais que já nascem sem chances de êxito. Compreende-se essa conduta quase como um ato de legítima defesa, uma tentativa do empresário de não se tornar falido e, portanto, de não se tornar um pária do sistema econômico.

Doravante, com o novo sistema de fresh start, a autofalência surge como uma opção razoável de tratamento da crise da empresa, permitindo ao empresário o encerramento de suas atividades, com extinção de suas responsabilidades e retorno ao mundo empresarial no prazo de 03 anos.

É a autofalência no cardápio do tratamento da crise da empresa!