COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Insolvência em foco >
  4. A tutela cautelar antecedente ao processo de recuperação judicial

A tutela cautelar antecedente ao processo de recuperação judicial

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Atualizado em 6 de março de 2023 11:35

Inovação trazida pela lei 14.112/20, a lei 11.101/05 (LRE), que disciplina os procedimentos de recuperação judicial, extrajudicial e falência, passou a permitir a tutela cautelar preparatória ao pedido de recuperação judicial (LRE, art. 6º, §12).

A matéria ganhou novos contornos e relevância diante dos novos casos distribuídos. A compreensão de seus limites, entretanto, mostra-se imprescindível para tutelar o próprio processo de recuperação, cujos efeitos a cautelar procura preservar.

Prevista no art. 6º, §12º, a tutela cautelar procura assegurar as partes do dano ou risco de dano ao resultado útil do processo de recuperação, consistente justamente na negociação coletiva por meio da qual as partes pretenderiam a maximização dos ativos do devedor, preservação das empresas recuperáveis ou retirada do mercado das empresas irrecuperáveis de modo a se assegurar a higidez do mercado.

De modo concreto, o devedor, antes de pedir a recuperação judicial, por recear os efeitos decorrentes de eventual demora ao pretender as medidas de saneamento empresarial tempestivas, pleiteia a tutela cautelar para se valer dos efeitos da recuperação judicial.

Para tanto, deverá demonstrar os pressupostos imprescindíveis para a tutela de urgência. A norma em questão é clara quanto à exigência de demonstração dos requisitos da tutela cautelar previsto nos termos do art. 300 e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), isto é, mediante prova da verossimilhança de suas alegações e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (CPC, art. 303).

A prova do direito se justifica pela demonstração de que detém a legitimidade e os requisitos necessários para o requerimento do processo de recuperação judicial. Cabe ao autor provar a sua legitimidade, enquanto empresário, na forma do art. 1º, e demais requisitos objetivos previstos no art. 48, ambos da LRE. Deverá ainda apresentar toda a documentação imprescindível a demonstrar seu estado de crise econômico-financeira e o montante de seu passivo (art. 51).

Presentes os requisitos para a concessão, a medida cautelar poderá antecipar "total ou parcialmente os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial."  Logo se vê que a medida cautelar não pode extrapolar os próprios efeitos do processo de recuperação judicial, se não pela razão óbvia de que a medida acessória não poderia ser mais ampla do que a própria principal cuja proteção era o objetivo da primeiro, pela redação expressa da lei.

Com efeito, caso a tutela seja ampla para antecipar todos os efeitos da recuperação judicial, quando muito teria o autor direito a se valer da suspensão das ações de cobrança que tem contra si nos termos do que estabelecem os incisos I, II, além da liberação de medidas constritivas, conforme disposição constante do inciso III, todos do art. 6º da LRE em relação aos créditos sujeitos a uma futura recuperação judicial.

Disso se percebe a distinção entre essa tutela cautelar e aquela prevista no art. 20-B, §1º, da LRE. Este último disciplina tutela cautelar com o objetivo de facilitar o procedimento de conciliação ou mediação. A decisão liminar possível, nessa hipótese, apenas suspende as ações de cobrança contra o devedor pelo prazo máximo de 60 dias, mas não antecipa os efeitos do processo de recuperação judicial. A medida possível não antecipa os efeitos da recuperação judicial, mas apenas suspende as ações, por prazo ainda dedutível do chamado stay period previsto no art. 6º da LRE sobrevindo processo de recuperação judicial ou extrajudicial.

Se a cautelar não pode extrapolar os efeitos do próprio processo principal, não poderá versar sobre efeitos que extravasem os créditos sujeitos à recuperação judicial futura, como interferências em ações de crédores titulares de propriedade fiduciária, arrendadores mercantis, vendedores de imóvel com cláusula de reserva de domínio, credores decorrentes de promessa de compra e venda irretratável ou de contratos de câmbio para exportação. Tampouco a cautelar não assegura a sustação da exigibilidade do título em si, imposição de obrigação não prevista em lei de natureza revisional.

O juízo da recuperação judicial, nesse ponto, sequer teria competência para tratar de outras questões que não envolvam a negociação coletiva dos créditos sujeitos à recuperação judicial. Em outras palavras, não poderia o Juízo ao qual se dirige a tutela cautelar, bem assim a recuperação judicial, intervir na relação contratual entre recuperanda e seu credor, a não ser para a verificação do valor do crédito, sua classificação ou exclusão dos efeitos da recuperação judicial.

Se falta competência para apreciar questões contratuais, revisar obrigações ou impedir a exigibilidade de créditos não sujeitos à recuperação judicial em face do devedor, também extrapola os limites definidos pelo próprio processo principal de recuperação judicial a intervenção sobre créditos em face de terceiros.

Se, nos termos do art. 49, §1º e do 59, da LRE, consubstanciados no enunciado da Súmula 581 do Col. Superior Tribunal de Justiça, dispõe-se que "a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória", a cautelar não poderia retirar a exigibilidade de títulos. Afinal, se o título não é exigível, careceria o credor, consoante estabelece o art. 783 do CPC, de título executivo para cobrar o crédito diretamente das garantias contratadas.

Se tais questões parecem evidentes, há outras que desafiam o intérprete. Dentre essas, relaciona-se ao momento em que é considerado o fato gerador para a sujeição ou não do crédito à recuperação judicial. Pela redação do caput do art. 49, sujeitam-se à recuperação judicial "todos os créditos existentes na data do pedido", mas há uma lacuna nesse dispositivo se a parte se valeu da tutela cautelar antecedente à recuperação judicial. Poder-se-ia integrar essa lacuna pela interpretação lógico-sistemática da lei, de maneira que, se antecipado totalmente os efeitos da recuperação judicial, de igual modo a regra do art. 49 deveria ser antecipada, para efeito de termo inicial de sujeição do crédito, à distribuição da tutela cautelar. Mas se a antecipação for parcial, a mesma interpretação seria válida?

Da mesma forma, questiona-se se o prazo para distribuição da ação principal, no caso, a recuperação judicial. Quanto à controvérsia, o §12º do art. 6º nada esclarece. Apenas faz remissão ao art. 300 e ss. do CPC. Assim, a rigor, a recuperação judicial teria que ser apresentada no prazo de 30 dias contado do momento em que efetivada a decisão liminar (CPC, art. 308). Tem-se por efetivada a decisão liminar, nessa hipótese, do momento em que proferida respectiva decisão ou da intimação dos credores? A dúvida é natural porquanto, se a tutela cautelar é em caráter antecedente à recuperação judicial, não haveria a necessidade de indicação de um credor específico a ser intimado dessa decisão. Toda a coletividade de credores sujeitos seria afetada, hipótese que bem se coadunaria à necessidade de publicação de edital, a exemplo do que ocorre no processo de recuperação judicial para a intimação dos credores acerca do processamento da recuperação judicial e para, querendo, apresentar habilitação ou divergência de crédito (LRE, art. 7º, §1º, c/c 52, §1º).

Tais questionamentos, portanto, evidenciam que a tutela cautelar exige o aprofundamento de sua análise e a compreensão de seus limites. Sua aplicação sem parcimônia, sem atenção à excepcionalidade conferida pela disciplina legal, sem a demonstração dos requisitos legais ou sem o respeito aos efeitos que a própria recuperação judicial poderia produzir, poderá comprometer o próprio processo principal cuja utilidade procurava preservar e a própria negociação coletiva pretendida.