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Supervisão judicial do plano de recuperação judicial - Equilíbrio é tudo!

terça-feira, 5 de abril de 2022

Atualizado em 4 de abril de 2022 11:44

Equilíbrio é tudo!

Certamente haverá consenso em qualquer discussão ao se propor que deva haver equilíbrio na busca de soluções para quaisquer questões nas mais variadas relações, sejam elas de ordem social, econômica, jurídica etc.

O grande desafio é conquistar esse equilíbrio. O processo para atingi-lo é árduo e sem regras definidas. Na recuperação judicial não é diferente.

Este é um processo coletivo com vários interesses contrapostos, no qual o devedor busca melhores condições para o soerguimento da atividade empresarial e a reestruturação de suas dívidas e os credores perseguem as melhores condições para reaverem seus investimentos e interesses, seja em face do devedor, seja em face dos demais credores com os quais concorre.

Segundo Eduardo Lemos1:

As partes interessadas têm diferentes objetivos e prioridades. Para socorrer a empresa, essas intenções díspares têm de ser conciliadas e a confiança dos credores tem de ser restabelecida. O elemento central dessa conciliação é instituir um processo de comunicação aberto, com o fornecimento de informações confiáveis. A previsibilidade deve ser restaura e más surpresas evitadas de toda forma. Esse papel exige tanto uma imparcialidade em relação aos fatos quanto uma forte lealdade à empresa. O sucesso depende de conseguir que as partes interessadas reconheçam e aceitem a realidade da posição da empresa e cooperem umas com as outras para solução dos reais problemas.

Com base nisso, o gestor da recuperação pode começar uma avaliação preliminar das posições das partes relacionadas e identificar logo no início o nível de apoio com que poderá contar da parte de cada uma delas para realizar o plano de recuperação, pois, dependendo das condições de reestruturação da dívida no plano, pode ser mais interessante para elas a venda ou a falência da empresa, lembrando que na falência a venda dos ativos da massa falida pode incluir a inteira unidade produtiva.

Especialmente durante os primeiros estágios da recuperação, e durante todo o processo de implementação do plano, será necessário ter uma constante comunicação das posições de curto prazo do caixa, das vendas e dos indicadores de performance. Nota-se que a questão com os credores deve ser abordada tendo como foco o efetivo turnaround da empresa, e não o meandro processual da recuperação judicial para "levar vantagem em tudo, certo?" como cinicamente inferia uma velha propaganda de cigarro. Embora a lei exista para facilitar o turnaround, é praxe das estratégias advocatícias na recuperação ganhar fôlego na circunscrição da lei ficando de olho no placar (o de individualmente "levar vantagem" nas dívidas ou nos espólios), mas perdendo de vista a bola (a efetiva recuperação do valor e da performance aos benefícios de todas as partes relacionadas).

A recuperação judicial é um processo de negociação compulsória. Isso dificilmente pode ser negado, seja pelos objetivos estatuídos no art. 47 da lei 11.101/05, que prevê os vetores voltados à preservação da empresa, seja pela nova previsão de que os credores devem votar no seu interesse, sem perder de vista eventual exercício abusivo desse direito (art. 39, § 6, lei 11.101/2005).

A supervisão judicial sobre o cumprimento do plano de recuperação judicial, nos termos do art. 61 da lei 11.101/05, foi um instrumento voltado a garantir um enforcement eficaz, ao prever a convolação da recuperação judicial em falência, caso houvesse inadimplemento do devedor dentro do prazo de dois anos.

Todavia, com o passar do tempo, os planos de recuperação judicial acabaram por prever o cumprimento de obrigações em prazos longos, muito além do biênio legal, sobretudo prazos de carência que muitas vezes se findavam após o período previsto em lei.

Diante da nova redação do artigo 61 da lei 11.101/05, dada pela lei 14.112/20, foi dada a possibilidade de se pronunciar o encerramento da recuperação judicial sem a necessidade do biênio de supervisão judicial. Isso porque, na prática, poucos foram os benefícios do período de supervisão judicial.

A possibilidade de convolação direta da recuperação judicial em falência durante o período de supervisão judicial, como dito acima, foi invocada como benefício legal a conferir maior segurança para os credores em relação à expectativa de recebimento de seus créditos.

Todavia, muitos planos de recuperação judicial previram prestações a serem adimplidas em período superior ao marco bienal previsto na lei. Após o seu transcurso, eventual inadimplemento poderá ser objeto de execução específica ou de pedido de decretação de quebra, nos termos previstos no artigo 62 da LRF. Assim, muitas obrigações não são alcançadas pelo instrumento previsto no artigo 73, inciso IV, da lei 11.101/05.

E não se pode negar que os meios de recuperação judicial possuem caráter eminentemente econômico devendo haver intervenção mínima do Poder Judiciário tão somente nos casos de evidente ilegalidade na cláusula analisada. Mesmo assim, a jurisprudência tem reconhecido que meios de pagamento, deságios e prazos de carência acabam por se circunscrever a aspectos econômicos do plano, o que deve ser bem pensado e discutido entre devedor e seus credores.

Mas mesmo a convolação direta da recuperação judicial em falência pode não se mostrar um instrumento efetivo para segurança e recebimento do credor. Isso porque seu crédito pode assumir uma posição desfavorável num processo falimentar, a depender de sua natureza e do volume de créditos que lhe antecedam, de acordo com o rol dos arts. 83 e 84 da lei 11.101/05.

Desse modo, uma execução específica pode se apresentar mais vantajosa, uma vez que o credor não concorrerá com uma universalidade de créditos, havendo melhores possibilidades de recuperação do valor que investiu na atividade em crise.

Outro fator que deve ser levado em consideração é o próprio racional econômico da supervisão judicial e os efeitos da manutenção do trâmite de uma recuperação judicial. Ao votarem pela aprovação do plano, os credores exteriorizam a confiança no soerguimento da atividade e que a manutenção da empresa poderá ser mais benéfica na recuperação de seus créditos.

Logo, é mais interessante que a recuperanda obtenha reais condições de mercado favoráveis à retomada da atividade, devendo a legislação de insolvência, nesse particular, funcionar como um facilitador de desenvolvimento econômico e social, criando estímulos ao empreendedorismo e à reabilitação da empresa em crise econômica-financeira.

Uma das maiores dificuldades enfrentadas no âmbito do exercício da atividade empresarial em nosso país é a obtenção de crédito, seja em um quadro de normalidade do empreendimento, seja na situação de crise econômico-financeira da atividade, hoje ainda com métodos muito burocráticos e limitados, cuja concentração de mercado de fornecedores reside nas instituições financeiras, factorings e FIDCs de custo muito elevado aos tomadores.

Como bem explica Leonardo Adriano Ribeiro Dias2:

A resolução 2.682/99 do BACEN estabeleceu critérios para as instituições financeiras classificarem suas operações de crédito em função do risco que apresentam, além de estabelecer regras de provisão para créditos de liquidação duvidosa. Por força do art. 44 da ICVM 356/01, a resolução 2.682/99 se aplica aos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios. Neste particular, Leonardo Adriano Ribeiro Dias bem esclarece a realidade da aplicação de tais normativos à empresas em recuperação judicial: "Normalmente, quando a empresa recorre ao procedimento recuperacional, ela já está inadimplente perante bancos por período superior a cento e oitenta dias, ou sua operação já foi até mesmo lançada a prejuízo. Na prática, isso inibe a concessão de novos créditos pelas instituições financeiras, pois eles também serão classificados com rating H, na medida em que as operações de um mesmo devedor ou grupo econômico possuem uma única classificação que, como regra, é a que apresenta maior risco. Assim, seria necessário provisionar 100% do valor do novo crédito, o que tornaria a operação bastante onerosa e poderia diminuir consideravelmente o lucro da instituição financeira. O chamado efeito 'arrasto' ou 'contaminação' foi criticada em pesquisa empreendida com profissionais dessas instituições, sob o argumento de que a norma desconsidera as diferentes estruturas de operação e garantiase, portanto, a perda da inadimplência. Logo, caso o banco decida conceder créditos a empresas em recuperação judicial, deverá, em regra, cobrar taxas de juros proibitivas para compensar a provisão ou socializar seus efeitos em outras operações de crédito com juros majorados".

De outro lado, o escopo da recuperação judicial é a retomada da normalidade da atividade empresarial, através da superação de sua crise econômico-financeira, servindo o plano não só como forma de recuperação dos créditos de seus credores e parceiros comerciais, mas para proporcionar uma readequação da própria operação para reconstrução de sua competitividade e capacidade de enfrentamento do ambiente de riscos que é o mercado empresarial.

E para que isso se torne realidade existe a necessidade da empresa gozar de boa reputação para obtenção de crédito e da confiança dos seus parceiros comerciais.

Nesse passo, o encerramento do processo de recuperação judicial funciona como um importante fator de fresh start da atividade, pois permitirá que ela possa ter avaliada sua situação de crédito sem ostentar a condição de recuperanda e os efeitos deletérios decorrentes dessa situação no mercado financeiro, além de reposicioná-la em condições de normalidade no ambiente empresarial, reconquistando a confiança daqueles que com ela podem estabelecer relações comerciais.

De mais a mais, o prolongamento do trâmite da recuperação judicial com o período de supervisão judicial impõe incremento dos custos do processo, pois haverá alongamento de pagamento dos honorários do administrador judicial e de advogados, além de encarecer o próprio sistema de justiça, pela necessidade de destinação de recursos materiais e humanos do Poder Judiciário e de outros órgãos, sem que se tenha certeza de efetividade da jurisdição no processo de soerguimento e de recuperação dos créditos.

Embora nosso sistema processual civil tenha adotado a teoria dos negócios jurídicos processuais, segundo a qual as partes podem convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, há limitação de ordem pública sobre eventual convenção aos poderes processuais do juiz. Assim, impor ao Poder Judiciário a tramitação de um processo sem qualquer demonstração de utilidade de tal calendarização, viola-se o devido processo legal na perspectiva de interesse processual e do direito fundamental à razoável duração do processo.

Essa visão, entretanto, não impede que o Juízo presida alguns atos necessários ao bom termo da recuperação judicial, tais como a alienação de ativos e o julgamento das habilitações ainda pendentes ao tempo da sentença de concessão e encerramento do procedimento, os quais podem ser ultimados em razão da amplitude do alcance do art. 59, § 1º da lei 11.101/05.

Portanto, sob o prisma do consequencialismo jurídico constante dos arts. 20 e 21 da LINDB, inegável que o período de supervisão judicial traduz poucos efeitos benéficos ao instituto da recuperação judicial e à sua capacidade de funcionar como meio de recolocação da atividade no comércio com a superação de sua crise econômico-financeira, merecendo acolhimento a proposta de encerramento desta recuperação judicial, devidamente aprovada pelos credores.

Assim, é importante que devedor e seus credores discutam a importância da manutenção do período de supervisão judicial, com a demonstração de seu racional econômico, a fim de que o Poder Judiciário possa analisar seus aspectos de legalidade, inclusive sob os fundamentos do negócio jurídico processual, uma vez que haverá irradiação de efeitos ao processo, com a manutenção do procedimento e todos os custos a ele inerentes.

Mesmo no caso de aproveitamento de benefícios fiscais introduzidos pela Lei 14.112/2020, não deixa de ser um ônus da devedora a demonstração da necessidade de eventual existência do período de supervisão judicial, mediante a apresentação dos atos praticados na busca de readequação do passivo fiscal e a perspectiva, se possível, da realização da pretensão, para modulação do período em que o processo de recuperação judicial deva ficar ativo.

Enfim, equilíbrio é tudo!

___________

1 LEMOS, Eduardo. Direito da Empresas em Crise. Coordenação: Paulo Fernando Campos Salles de Toledo e Francisco Sátiro. São Paulo. Quartier Latin. 2012. Página 91.

2 DIAS, Leonardo Adriano Ribeiro. Financiamento na Recuperação Judicial e na Falência. São Paulo. Quartier Latin, 2014. Página 272.