Migalhas de Peso

Coronavírus: a rescisão do contrato de trabalho perante o factum principis

Com a consequente dispensa de trabalhadores, estaremos diante da hipótese do factum principis, espécie do gênero força maior.

25/3/2020

Com a pandemia do coronavírus (covid-19) medidas podem ser tomadas ou determinadas pelo Governo, como por exemplo, o decreto 9.637/20, assinado pelo Governador do Estado de Goiás, Ronaldo Ramos Caiado que determina a suspensão de atividade no comércio, como shoppings, bares, cinemas. Tal medida visa diminuir a movimentação da população pelas ruas e vem sendo adotada por outros Estados como Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Bahia. 

Caso se impossibilite a continuação da atividade, de forma temporária ou definitiva, com a consequente dispensa de trabalhadores, estaremos diante da hipótese do factum principis, espécie do gênero força maior. A força maior é um evento imprevisível que pode onerar excessivamente a empresa ou extinguir determinados estabelecimentos ou a própria atividade empresarial.  O factum principis se distingue ligeiramente da força maior, pois depende de determinação de autoridade governamental, em que a empresa tem de encerrar ou paralisar a atividade por determinação da autoridade pública.

A denominada “Teoria do Fato do Príncipe” funde-se na premissa de que a Administração Pública não pode causar danos ou prejuízos aos seus administrados, ainda que em benefício da coletividade; desse modo, sendo inevitáveis os prejuízos, surge a obrigação de indenizar. 

O artigo 486 da CLT dispõe que: 

Art. 486. No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável. 

Assim, como consequência do rompimento do contrato de trabalho quais as verbas rescisórias devidas ao trabalhador? 

A doutrina e jurisprudência majoritárias entendem não ser devida a indenização do aviso prévio haja vista a ocorrência de evento imprevisível. Contudo, as demais verbas rescisórias serão devidas e pagas pelo empregador. 

A discussão reside quanto ao responsável pelo pagamento da indenização adicional do FGTS, a administração pública ou o empregador?

Há pelo menos dois posicionamentos, um que defende que como a indenização adicional do fundo sobre o FGTS é decorrente de força maior será devido pela metade (20%) e paga pelo empregador.

O outro entendimento se posiciona no sentindo de que o art. 486, CLT diz que é de responsabilidade da autoridade estatal que fez o ato de proibição ou de paralisação da atividade. Portanto, a autoridade não pode se beneficiar daquilo que o empregador, atingido pelo excessivo ônus de manter aqueles empregados em força maior, deveria pagar. Isto é, a benesse legal de se pagar metade da indenização adicional é dirigida aos empregadores e não a terceiros, de modo que, a Administração deve indenizar de forma integral (40%).

A jurisprudência, em que pese não ser tema latente nas demandas processuais, segue no sentido de responsabilizar a Administração Pública pelo pagamento, seja na análise do caso concreto, conforme o TRT da 3ª região - MG, quanto a interpretação do dispositivo celetista, conforme o TST:

TRT3 - “FACTUM PRINCIPIS”. DESAPROPRIAÇÃO. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. MULTA DE 40% DO FGTS. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Deve ser admitida a ocorrência do “factum principis” quando a rescisão do contrato de trabalho decorrer de ato da administração pública que não pode ser evitado pelo empregador, que se vê obrigado a encerrar suas atividades econômicas. Órgão: Turma Recursal de Juiz de Fora/TRT 3ª Região. Processo: RO 0001757-58.2013.5.03.0036. Disponibilização: DEJT 19/02/2015 TST - "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. CONFIGURAÇÃO DO FACTUM PRINCIPIS. DESAPROPRIAÇÃO DE TERRENO RURAL. FIM SOCIAL DA PROPRIEDADE. RESPONSABILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 486 DA CLT. Verificado que o posicionamento adotado no acórdão regional baseou-se na interpretação do artigo 486 da CLT, e que a interpretação conferida não atenta contra a literalidade da mencionada norma, não há de se falar em modificação do julgado. Sendo indiscutível a natureza interpretativa da matéria combatida, certo é que, se uma norma pode ser diversamente interpretada, não se pode afirmar que a adoção de exegese diversa daquela defendida pela parte enseja violação literal dessa regra, pois essa somente se configura quando se ordena expressamente o contrário do que o dispositivo estatui. Nesta senda, competia ao Recorrente demonstrar a interpretação diversa dos dispositivos em questão entre Tribunais Regionais do Trabalho ou a SBDI-1 desta Corte, nos termos do artigo 896, "a", da CLT, ônus do qual não se desincumbiu. Agravo de Instrumento conhecido e não provido"

(AIRR-1770-57.2013.5.03.0036, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, DEJT 18/12/2015).

Vê-se então que a aplicação do “factum principis” aponta como medida viável para a Empresa quando da rescisão dos contratos de trabalho por força maior, considerando toda sua estrutura, não se limitando, mas, sobretudo, financeira, ainda que em benefício da própria coletividade, deve ser imputada à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento da indenização rescisória.

_____________________________________________________________________ 

*Letícia Faga de Figueiredo é advogada no escritório MoselloLima Advocacia e professora na Faculdade Pio XII. Possui pós-graduação em Direito Civil e Processual Civil pela FGV. É mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV - Faculdade de Direito de Vitória.   

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