Inexplicavelmente, os produtos de consumo no Brasil não contêm alertas para os componentes alergênicos que compõem sua fórmula. Um atraso civilizatório sem explicação, ainda mais se comparado por exemplo aos EUA, onde isso é impensável.
Antes de continuar nessa migalha, uma explicação. Ou melhor, três explicações. Primeiro, que a população tem ficado mais alérgica, por uma série de fatores. Segundo, que já havia alergia nas pessoas, mas a melhora na informação ajudou a que descobrissem os motivos. Terceiro, as impensáveis misturas de produtos multiplicaram os dois itens atrás referidos.
Dito isso, passou-se a ser imperativo que se mostre quais ingredientes contêm cada produto e, sobretudo, os considerados alergênicos. Coisa, aliás, lógica. Mas, infelizmente, não é assim no Brasil. De modo que um cidadão compra queijo parmesão para o filho, e depois de ver o rebento empolado, descobre que havia ovo na composição. Como o menino era alérgico a ovo... Há infinitos relatos semelhantes, com as coisas mais esdrúxulas, mas que não vem ao caso aqui narrar.
O fato é que nada mais justo do que saber o que contém cada coisa, ainda mais aquelas que se ingere. E os produtos alergênicos, como a soja, por exemplo, estão cada vez mais presentes em tudo. Em alguns casos, o simples compartilhamento das máquinas é motivo para que um alérgico sofra uma crise. Por exemplo, se uma máquina faz um biscoito (ou bolacha, como queira) com soja, e depois faz um outro sem, embora o segundo não leve a soja na composição, o cidadão alérgico pode ser afetado pela contaminação cruzada.
No Brasil, como as empresas terceirizam muitas vezes algumas etapas de sua produção, e não querem ser responsáveis pelos terceirizados, os quais pelo visto não fiscalizam, elas temem dizer uma coisa na embalagem e o produto conter outra. Por esses e outros inconfessáveis motivos, muitas empresas inacreditavelmente são contra a rotulagem dos alimentos. E os alérgicos que se lasquem. O tema já foi enfrentado na Justiça, que entende existir obrigação de informar, nos termos do CDC. Todavia, isso não resolve a situação no dia a dia das pessoas.
Passando por uma situação particular, que é como em geral se dá o nascedouro das grandes mudanças, a advogada Maria Cecília Cury reuniu outras pessoas e iniciou há algum tempo uma campanha para que as empresas colocassem no rótulo de seus produtos a informação dos componentes alergênicos. O movimento hoje amplamente conhecido como "#põenorótulo", depois de árdua luta, conseguiu que a Anvisa, em julho do ano passado, editasse uma resolução obrigando as empresas a informar no rótulo os itens alergênicos (RDC 26/15). O artigo 11 da mencionada resolução deu o prazo de 12 meses para sua entrada em vigor, ou seja, 3 de julho p.f..
No entanto, quando se avizinha o prazo, percebe-se uma movimentação por parte do setor produtivo pedindo para que ele seja dilatado. Assustando ainda mais os consumidores, alega-se que os 365 dias não teriam sido suficientes para que fossem conhecidos os ingredientes e o modo pelo qual são processados os alimentos na cadeia produtiva. Ai, ai, ai. Trata-se, como já dito, de um atraso civilizatório. Daqui a alguns dias, no entanto, no dia 3 de julho, deixaremos para trás esse passado.