quinta-feira, 2 de maio de 2024

Arquivo do dia 23/03 de 2016

PILULAS

A bomba do dia, do ano, da década é o anúncio do Grupo Odebrecht de, enfim, colaborar com a Lava Jato. Além de um acordo de leniência já em curso com a CGU, todos os executivos da empreiteira concordaram em fazer delação premiada. Incluindo-se, aí, Marcelo Odebrecht. Resta saber se o que vão contar será significativo a ponto de justificar o acordo. Por outro lado, se resolverem contar tudo, poderemos estar diante da refundação da República Federativa do Brasil. Veja íntegra da nota da Odebrecht. ____________________ Compromisso com o Brasil As avaliações e reflexões levadas a efeito por nossos acionistas e executivos levaram a Odebrecht a decidir por uma colaboração definitiva com as investigações da Operação Lava Jato. A empresa, que identificou a necessidade de implantar melhorias em suas práticas, vem mantendo contato com as autoridades com o objetivo de colaborar com as investigações, além da iniciativa de leniência já adotada em dezembro junto à Controladoria Geral da União. Esperamos que os esclarecimentos da colaboração contribuam significativamente com a Justiça brasileira e com a construção de um Brasil melhor. Na mesma direção, seguimos aperfeiçoando nosso sistema de conformidade e nosso modelo de governança; estamos em processo avançado de adesão ao Pacto Global, da ONU, que visa mobilizar a comunidade empresarial internacional para a adoção, em suas práticas de negócios, de valores reconhecidos nas áreas de direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção; estabelecemos metas de conformidade para que nossos negócios se enquadrarem como Empresa Pró-Ética (da CGU), iniciativa que incentiva as empresas a implantarem medidas de prevenção e combate à corrupção e outros tipos de fraudes. Vamos, também, adotar novas práticas de relacionamento com a esfera pública. Apesar de todas as dificuldades e da consciência de não termos responsabilidade dominante sobre os fatos apurados na Operação Lava Jato - que revela na verdade a existência de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral do país - seguimos acreditando no Brasil. Ao contribuir com o aprimoramento do contexto institucional, a Odebrecht olha para si e procura evoluir, mirando o futuro. Entendemos nossa responsabilidade social e econômica, e iremos cumprir nossos contratos e manter seus investimentos. Assim, poderemos preservar os empregos diretos e indiretos que geramos e prosseguir no papel de agente econômico relevante, de forma responsável e sustentável. Em respeito aos nossos mais de 130 mil integrantes, alguns deles tantas vezes injustamente retratados, às suas famílias, aos nossos clientes, às comunidades em que atuamos, aos nossos parceiros e à sociedade em geral, manifestamos nosso compromisso com o país. São 72 anos de história e sabemos que temos que avançar por meio de ações práticas, do diálogo e da transparência. Nosso compromisso é o de evoluir com o Brasil e para o Brasil.

Na séria série "esqueçam o que eu escrevi", ontem trouxemos a informação de um artigo do professor Celso Antonio Bandeira de Mello sobre interceptação telefônica. Eram argumentos que respaldavam a divulgação de conversas vazadas, na época (1999), de FHC. Hoje a informação é de um voto-vista do ministro Gilmar Mendes num HC do caso Banestado (HC 95.518). A autoridade coatora: Sérgio, sempre ele, Moro. A ementa do remédio heroico é autoexplicativa: "Atua com inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito o juiz que se irroga de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional." "Revelam-se abusivas as reiterações de prisões desconstituídas por instâncias superiores e as medidas excessivas tomadas para sua efetivação, principalmente o monitoramento dos patronos da defesa, sendo passíveis inclusive de sanção administrativa." No voto-vista, o ministro Gilmar Mendes de 2013 não deixa dúvidas: "O Tribunal tem-se manifestado várias vezes em relação a essa questão, que o juiz é órgão de controle no processo criminal. Tem uma função específica. Ele não é sócio do Ministério Público e, muito menos, membro da Polícia Federal, do órgão investigador, no desfecho da investigação." "Penso que não pode ser diferente o papel desta Corte e de nós juízes, pois é inaceitável, sob qualquer fundamento ou crença, tergiversar com o Estado de Direito, com a liberdade do cidadão e com os postulados do devido processo legal." Os magistrados de 2013 e 1016 são os mesmos. Já as partes... ____________ Editorial Platão ensinou que tudo o que o espírito humano faz ou sofre levará à felicidade quando é guiado pela sabedoria, mas ao oposto quando guiado pela insensatez. Nesse sentido, é preciso emitir com parcimônia as opiniões acerca dos magistrados. Primeiro, sem extremismos. Ou melhor, ficando na temática filosófica, nem tanto ao céu, nem tanto à terra. O juiz Moro parece ser daqueles homens bem intencionados. É verdade que exagera aqui e ali (e como !), mas não se vislumbra nele um viés ideológico. Não o vemos rodeado de grupos políticos ou econômicos. De modo que, até onde sabemos, é movido por uma certa sanha de justiça, um tanto quanto exacerbada. Condenável na terra, sim, mas talvez Ele o absolva no juízo final. O certo seria os tribunais superiores, sempre que instados, lembrassem a ele da observância das regras. No entanto, como é forçoso convir, passaram apenas a falar amém (há exceções, como a decisão de ontem do ministro Teori). Quem sabe as Cortes estejam imbuídas do mesmo interesse, qual seja, da efetividade da Justiça. Tudo isso seria ótimo, não fosse o fato de que ao transpor limites, eles deixam de existir. Por isso, é chegado o momento de restabelecê-los, sob pena de não avançarmos no processo civilizatório. Certos pontos da excelente decisão acima, de 2013, servem como uma luva para 2016. O juiz não pode ir além de suas competências de controle do processo crime. Não é sócio do MP, nem muito menos parceiro da PF. E não pode ter animosidade com as partes, por mais que estas tenham com ele. Nesse sentido, auguramos novos ventos na operação Lava Jato. Operação que tem no juiz Moro um excelente condutor, o qual, incontestavelmente, descortinou inúmeras mazelas que grassam desde os tempos coloniais. Mas estes panegíricos, por si sós, não justificam, por outro lado, práticas condenáveis. Cada coisa em seu lugar. Ademais, basta ver algumas últimas operações para perceber que nitidamente a Lava Jato deu uma guinada e começou a ser uma caça de provas para corroborar o impeachment ou a cassação do mandato da presidente da República. Esse direcionamento é nefasto e pode jogar por terra todo o hercúleo trabalho até aqui realizado. É bem o momento de voltar para uma investigação ecumênica. E doa a quem doer. A propósito, a delação premiada da Odebrecht pode ser a tábua de salvação da operação, pois ali - segundo consta - há corrupção para todos os paladares. Incluindo, provavelmente, a necessidade de o Judiciário cortar na própria pele. E se depois de aberta essa caixa de pandora o impeachment ou a cassação forem consequência, isso será algo normal, e não forçado, como querem alguns grupos que passaram a soltar maviosos cantos no ouvido de Sérgio Moro, e que podem o estar inebriando. Não se esqueça, magistrado, a mesma mão que o afaga hoje, é a que lhe beliscará amanhã. Ou já beliscou ontem.