domingo, 15 de dezembro de 2024

Arquivo do dia 18/02 de 2016

PILULAS

Quanto ao caso que mencionamos pela metade na migalha acima, sobre a existência de investigação contra ministro do STJ, é bem o momento de falarmos um pouco do caso. Veja e ouça leitor. Mas veja com olhos de ver e ouça com ouvidos atentos. Há alguns dias informamos aos migalheiros que o jornal O Globo prestava um desserviço ao dizer que um ministro do STJ estaria sendo investigado pelo STF sob suspeita de venda de sentenças (Migalhas 3.797). O jornal não trazia o nome, nem o que era, de tal forma que colocava a Corte toda sob suspeita. Passada uma semana, um noticioso nominou o ministro, mas mais não disse, prestando o mesmo deslustroso ofício do matutino carioca, pois era uma acusação em branco. Hoje, na mesma toada, o jornal O Globo faz uma matéria sobre o assunto. Com direito a foto e um terço de página, anuncia que o ministro Sebastião Reis é suspeito de vender sentença. Informa-se que, já que a coisa se tornou pública (quem tornou o quê público ?), o presidente da Corte estuda abrir uma investigação no âmbito do próprio Tribunal. E mais, o jornal lança nova e leviana suspeita, mais uma vez sem nominar, afirmando que há mais um ministro e uma desembargadora envolvidos. A propósito da decisão de ontem do STF, de mitigar a presunção de inocência, isso não significa que se inventou a presunção de culpa. Mas o fato é que o ministro Sebastião Reis está, a olhos vistos, sendo julgado por meio de notícias ardilosamente plantadas nos jornais. A comunidade jurídica vê esses informes com imensa preocupação e tristeza, porque conhece a índole do ministro e o respeita como julgador. Trata-se, ainda, de um amigo da instituição advocacia, que nunca se negou a receber advogados, que tem posições penais liberais, e que decide sempre com raro senso de humanidade. Nesse sentido, é evidente que o meio jurídico quer ver apuradas todas e quaisquer acusações contra quem quer que seja. Quer não, exige que elas sejam feitas. Mas acusações verdadeiras. E quer isso até mesmo para que elas atestem a idoneidade do acusado. Mas, vamos e venhamos, não é assim que se faz investigação, ainda mais contra um magistrado. O modus operandi - com notinhas escorrendo a conta-gotas - é sinal de que há algo de podre no reino da Dinamarca. Referimo-nos a uma disputa política interna na Corte que parece ser o verdadeiro leitmotiv destas notícias plantadas aqui e ali. E esse jogo político institucional, em certos casos, vem se sobrepondo ao verdadeiro sentido de ser do Tribunal. Há quem perca, evidentemente que um ou outro, mais tempo nestas questiúnculas internas, de lista, de cargos, de viagens, de isso e aquilo do que do ofício judicante propriamente dito. E, por isso mesmo, perde-se a noção da realidade e usa-se e abusa-se da autoridade judicante para se obter o que se quer politicamente. É nesse ponto que, ao que parece, estamos. Por isso, o momento é de cautela, de se evitar juízos feitos de afogadilho. Pelo que diz o jornal, o ministro nem sabe do que está sendo acusado. Nesse sentido, fazemos aqui três chamamentos. Um primeiro, à ministra Rosa, para que dê publicidade ao caso. O segredo, que deveria ser em benefício do magistrado, só o está prejudicando. O segundo chamamento que fazemos é para a OAB, para que a Ordem imediatamente participe efetivamente da apuração. E participe, a uma, porque estamos a falar de um ministro oriundo do Quinto, que sempre dignificou a advocacia no seu mister de magistrado ; a duas, porque se há suspeita de venda de sentença há advogados envolvidos (e, infelizmente, não raro há causídicos que criminosamente se dizem amigos de julgadores para obter ganhos, no que comumente se diz "fulano está vendendo o juiz") ; e, a três, porque não há quem decida bem tendo essa pressão sob sua cabeça, de modo que quem perde com isso é o jurisdicionado. E, por fim, o último chamamento que fazemos é à comunidade jurídica como um todo, para que reflita acerca da decantada disputa política na Corte, esviscerada recentemente em discussão pública ocorrida na primeira sessão do ano, e não faça juízos prévios.

"A Justiça é obra do homem, sendo passível de falha." Marco Aurélio Mello (in "Ciência e Consciência", 2015, Migalhas) RE 511.961 Falha: corrigida ou praticada? Uma quarta-feira como outra qualquer. Calor brasiliense. Céu azul. Árvores verdes. Sessão no STF. Tudo normal. Na pauta, uma questão simples, com tema reiterado. Coisa, enfim, ordinária. Mas, qual o quê ?! O que era para ser uma assentada como outra qualquer, transformou-se no julgamento mais importante do STF nos últimos anos. Vejamos. Relator, ministro Teori. Caso, um HC no qual o ministro já tinha dado liminar para soltar o réu preso após condenação em segunda instância. Em sucinto, mas muito bem engendrado voto, o ministro Teori relata o histórico do tema no mundo e no Supremo, para ao final concluir que: "A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência." Estávamos, pois, diante de uma proposta de mudança de entendimento do Supremo, o qual se consolidou a partir da boa leitura da Carta Magna, segundo a qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória. Ministro Fachin e Barroso acompanham o relator. Ministra Rosa não se sente à vontade para mudar a jurisprudência. Ministro Fux e Gilmar seguem também o relator. E eis que chega o ministro Marco Aurélio, reconhecidamente um dos grandes construtores da jurisprudência que se pretendia mudar. Acabrunhado, sem esconder o travo da amargura, diz que era uma tarde triste para o cidadão. E, como não podia deixar de ser, mantém coerentemente seu posicionamento. Celso de Mello e Lewandowski também votam contra a mudança, e ficam vencidos. Resultado: por 7 votos a 4, o plenário mudou jurisprudência da Corte, afirmando que é, sim, possível a execução da pena depois de decisão condenatória em segunda instância. Mitigou-se, com isso, o princípio da presunção de inocência. Veja como foi o julgamento, a íntegra do voto do ministro Teori e a transcrição do voto oral do ministro Barroso. Placar A favor da mudança de jurisprudênciaContra a mudança de jurisprudência TeoriRosa FachinMarco Aurélio BarrosoCelso de Mello ToffoliLewandowski Fux Cármen Lúcia Gilmar Mendes Premonição Na obra em homenagem aos 25 anos do ministro Marco Aurélio, que por ventura do destino foi costurada no ano passado por este nosso humilde rotativo, o ministro Gilmar Mendes falou da questão da presunção da inocência e das reiteradas decisões do ministro Marco Aurélio acerca do tema. Com efeito, desde 1995 o ministro votava pela não possibilidade de prisão, ficando reiteradamente vencido, até que em 5 de fevereiro de 2009 o pleno do STF decidiu, enfim, que a prisão somente ocorria após o trânsito em julgado da decisão condenatória (HC 71.959). Naquele mencionado texto, com ares premonitórios, o ministro Gilmar Mendes dizia que, mais cedo ou mais tarde, o STF iria ser chamado a rever sua jurisprudência (Ciência e Consciência, Marco Aurélio Mello, 2015, Migalhas). Veja a íntegra. Honrosa citação Para gáudio desta redação, o ministro Teori cita, em seu voto conductore, o texto do ministro Gilmar Mendes publicado na obra que tivemos a honra de editar em homenagem ao ministro Marco Aurélio. Responsabilidade Os tribunais, que não sem motivo viam-se como instâncias de passagem, ganham agora uma autoridade gigantesca. Com ela, a responsabilidade de decidir criteriosamente. Comentários Para alguns, apagou-se a luz. Para outros, fiat lux. Escuridão OAB, Associações, Institutos e advogados lamentam a decisão a qual qualificam de retrógrada. Claridade Associação de juízes diz que decisão é um avanço no processo penal brasileiro. Ai, ai, ai... Quem não é do ramo acha que a decisão do STF de ontem se deu por causa do juiz Moro, e que ele seria o grande mentor disso. Convenhamos. Só mesmo quem não entende patavina para achar isso. Há, leigo, mais coisas entre o STF e a primeira instância do que sonha nossa vã jusfilosofia. Onda de prisão O MP vai, por obrigação, e pelo princípio de igualdade, pedir a prisão de todos os já condenados em segundo grau e cujos processos estão nos tribunais superiores aguardando julgamento? Chuva de HC O leitor criminalista vai poder dizer se isso é fato ou não, mas nos parece que o número de HC vai explodir. E mais, agora será HC de réu preso, feito que tem preferência sobre os demais. Fim das prescrições? De uma coisa os ministros dos tribunais superiores se aliviaram : da angústia de, por conta de excesso de recursos, serem de certa forma os "responsáveis" pelas prescrições que pululavam a rodo. Penal x Cível Fazendo um paralelo jurídico, o que o Supremo fez ontem no penal é a solução que já se encontrou para resolver a crise do processo civil, qual seja a tutela antecipada ou a execução provisória da sentença. Ocorre, no entanto, que no cível há a exigência de caução para a execução, o que em tese é um conforto e uma segurança para o executado. No crime, os eventuais danos não terão a mesma contrapartida. Erro judiciário? Pelo que se sabe, não há responsabilidade do Estado no caso das prisões preventivas, mesmo havendo absolvição a posteriori. Nesse sentido, não se vislumbra futura indenização no caso de absolvição após cumprimento de pena provisória decorrente de condenação em segunda instância. Corda em casa de enforcado Umas das sabidas preocupações daqueles que são contra a decisão suprema, de mitigar a presunção de inocência, é de que haja injustiças e inocentes sejam presos. Pois bem, nestes casos, quando isso ocorre, não raro o injustiçado dá cabo da vida. Interessante notar que, coincidentemente, ontem havia um processo na pauta do STF que trata exatamente da polêmica responsabilidade do Estado em caso de suicídio de preso. O processo não foi enfrentado porque, vai ver, lembraram-se do ditado segundo o qual não se fala de corda em casa de enforcado. (RE 84.1526) Polvilhe informação Divida com seus contatos essas questões que acima trouxemos sobre o julgamento de ontem.

Pedido de vista do ministro Og Fernandes adiou decisão da Corte Especial do STJ em recurso da OAB/PR que alega violação ao art. 72 do Estatuto da OAB com a requisição direta pelo MP de informações de processo disciplinar envolvendo advogados. O ministro Herman Benjamin apresentou voto-vista ontem afirmando ser possível a requisição direta, ficando o parquet submetido ao mesmo grau de sigilo : "Não é informação qualquer da OAB, e sim de processos disciplinares que, se não chegarem a tempo ao MP como notícia-crime, podem levar à prescrição da própria atuação punitiva-penal do parquet." Herman argumentou que o próprio Estatuto prevê o dever das seccionais de informar os órgãos acerca de fatos que possam caracterizar delito penal. Com discurso apaixonado, o ministro Humberto manteve o voto pelo provimento do recurso, no sentido de que o MP somente pode ter acesso a processo disciplinar aberto contra advogado mediante autorização judicial : "Não posso perder o sentimento de que o sigilo tem que ser preservado para segurança e autonomia da instituição." O ministro Napoleão Nunes Maia Filho acompanhou o relator, ponderando que tal solução pacifica a controvérsia e valoriza os advogados. O ministro Mauro Campbell, por seu turno, levantou o não conhecimento do recurso, tendo em vista se tratar de debate sobre dispositivo que não foi questionado anteriormente. Votaram pelo não conhecimento os ministros Jorge Mussi e Herman, que reajustou o voto. (REsp 1.217.271)

O plenário do CNJ editou resolução que endurece as regras em caso de vazamento de informações de processos ou inquéritos sigilosos. Pela resolução 217/16, quando houver vazamento de informações de processos que contêm interceptação de comunicação, ou que correm em segredo de Justiça, o magistrado responsável pelo processo deverá requisitar a imediata apuração dos fatos. A mudança foi motivada por ofício do Conselho Federal da OAB enviado ao conselho. Entreaberto A propósito da nota anterior, é bem o momento da ministra Rosa dar início aos trabalhos, apurando quem é que está vazando informações sobre investigação que está sob sua relatoria e que, volta e meia, maldosamente, aparece na imprensa com nítido interesse leviano de macular a honra de um ministro do STJ reconhecidamente correto. Aliás, louve-se aqui o ministro Teori e seu gabinete. Daquele mato nunca saiu coelho, nem cobra, nem falcão. Nunca se ouviu falar em vazamento em processo sob sua relatoria, e isso conquanto não falte interesse bisbilhoteiro da mídia no caso da Lava Jato. E não falamos isso com gota alguma de pesar, porque, como bem sabe o leitor, este poderoso rotativo tem em sua linha editorial a inquebrantável regra de não publicar nada que está sob segredo de Justiça. Para nós não se justifica o argumento daqueles arautos que dizem que publicam porque é de interesse público. Ora, foi a própria lei, sob o mesmo argumento, que disse que isso ou aquilo deveria ser resguardado. Nesse sentido, ou se segue a lei, ou às favas com os escrúpulos. Migalhas fica com a primeira opção. E, a julgar pela diuturnidade desta publicação, e pela fidelidade dos ledores, estamos no caminho certo.