O editorial da Folha de S.Paulo de ontem é irrepreensível. No caos que se está, a soberania deve ser devolvida ao povo. Nossos representantes não mais nos representam, se é que um dia nos representaram. "Dada a gravidade excepcional desta crise, seria uma bênção que o poder retornasse logo ao povo a fim de que ele investisse alguém da legitimidade requerida para promover reformas estruturais e tirar o país da estagnação."
Os vices na história do impeachment
Vejamos uma breve comparação nos processos de impeachment de Collor e Dilma. Collor fez toda a trapalhada sozinho. Melhor dizendo, com seu finado companheiro PC. Itamar Franco, aliás, foi um vice-presidente sem partido, pois se desfiliou do PRN, indo só depois para o PMDB. Já no governo Dilma, o PDMB agiu nos últimos seis anos como aquelas plantas trepadeiras que vão se contorcendo, subindo e aproveitando cada nesga aberta. Ocupou e ocupa uma infinidade de cargos. É, pois, corresponsável (em alguns casos cúmplice) da má gestão do país. E isso para não falar que seus caciques estão mais enrolados que tudo na Lava Jato. Ou seja, quando a Folha de S.Paulo diz que não há legitimidade para o vice-presidente, e quando se diz algures que a alternativa é, de fato, aterrorizante, a única saída seria devolver ao povo o poder de escolher.
Amolando a faca
A escapatória legal para haver eleição à presidência neste momento seria a cassação da chapa pelo TSE. O processo que pode levar a isso é de autoria do PSDB. Mas, inexplicavelmente, o PSDB deixou o feito cozinhando em fogo brando. Inexplicavelmente, não. É que pesquisas indicam que numa eventual eleição daqui a 90 dias, nenhum candidato com plumagem tucana ganharia. Lula, Marina ou um nome novo, mas conhecido (tipo Donald Trump), ganhariam as eleições. Por isso, os tucanos passaram a preferir o impeachment, que é uma maneira de tentar ajeitar as coisas nos próximos dois anos, emplacando um correligionário num bom ministério e dando-lhe visibilidade para alçar voo em 2018. E ainda assim manteriam o processo de cassação na mão, como uma faca no pescoço do presidente Temer, pronta para desferir o golpe fatal caso o jogo não saia a contento.
Imponderável
Todas essas conjecturas olvidam um imponderável : Michel Temer, depois de sentado e assentado no Palácio do Planalto, dificilmente sai de lá em dois anos. Vai tomar gosto pela coisa. Dizem que é um sonho que persegue. E falam até que é ranço da juventude quando disputas frustradas teriam lhe deixado marcas indeléveis. Referimo-nos às malogradas candidaturas à presidência do centenário Centro Acadêmico XI de Agôsto, considerado pelo ministro Flavio Bierrenbach como o cargo mais importante a que um bacharel em Direito pode concorrer.
Votos e fatos
Acerca do vice-presidente Michel Temer, interessante notar que embora sucessivamente eleito, nunca foi esplendidamente sufragado. Nas últimas eleições proporcionais que participou, em 2006, só conseguiu uma cadeira na Câmara, Casa que já havia presidido por duas ocasiões (1997-99 e 1999-01), graças ao coeficiente eleitoral. Fosse pelos seus próprios eleitores, tinha ficado na suplência. A sorte foi que o partido tinha puxadores de votos como Karina Somaggio, que teve 2.307 votos e ajudou a carregá-lo. Aliás, para quem não se lembra dela, Fernanda Karina Ramos Somaggio era a secretária de Marcos Valério que deu uma entrevista à IstoÉ Dinheiro acusando integrantes do Governo Lula e do PT de envolvimento com atividades ilícitas praticadas por seu patrão. Ela até queria posar para a Playboy, mas a revista poupou seus leitores. Mas voltando à votação de Temer, embora em 2002 ele tivesse conseguido 252.208 votos, quatro anos depois seus eleitores minguaram e passaram a ser 99.046. Um pouco menos do que Bolsonaro, que no RJ obteve 99.700, e bem distante dos campeões de votos daquele pleito : Maluf (739.827), Ciro Gomes (667.830), Celso Russomano (573.524), Clodovil (493.951) e ACM Neto (436.966). Impressiona, todavia, a capilaridade (eleitoralmente falando) do vice-presidente, que teve votos em 450 municípios bandeirantes. Em sua terra natal, Tietê, às margens do rio que dá nome à cidade, ele obteve 3.627 votos. Pouco mais da metade do que o candidato José Carlos Melaré, que ali conseguiu 7.142 eleitores. E ficou em segundo lugar também em Barretos, mas aí sua votação foi impressionante. De todo modo, foi o mais votado em Duartina, Terra Roxa e Brotas. Vejamos abaixo algumas cidades e sua votação em 2006 :
Cidades
Votos
Barretos
7.592
Tietê
3.627
Duartina
2.716
Brotas
2.599
Terra Roxa
1.979
Boituva
1.871
Campinas
1.568
Cerquilho
1.560
Itu
1.362
Piracicaba
1.213
Santos
341
Pedregulho
8
Terceira presidência
Mesmo tendo sido diplomado pelo coeficiente eleitoral, isso não torna (e, de fato, não tornou) o deputado Michel Temer um parlamentar menor. E tanto é assim que, excepcional articulador, naquela legislatura novamente foi eleito presidente da Casa (2009-10).
A César o que é de César
Ainda acerca do processo no TSE, há uma tese correndo por aí segundo a qual iriam se dividir responsabilidades, isentando o vice-presidente das questões de arrecadação de campanha. Quem viver, verá.
Mudou-se
Vendo agora, com certo distanciamento, a missiva do vice-presidente não foi nem um pouco ingênua e bobinha, como os "memes" que se fizeram dela. Ela tinha um alvo que, olhando agora, foi atingido. O destinatário não era o que estava no envelope. Mídia e empresariado estavam sendo avisados do rompimento dele com a presidente. A partir daquele momento, ele passou a ser poupado por aquela e procurado por este. Com sua indiscutível habilidade política, submergiu para desenhar o quadro que hoje se apresenta.